sábado, 13 de fevereiro de 2010

O Bebê de Rosemary (parte 1)

Antes de iniciar a leitura deste artigo recomendamos a leitura da introdução sobre o mesmo:
http://jungcomdende.blogspot.com/2010/02/o-bebe-de-rosemary.html


INTERPRETAÇÕES DO CASO DE ROSEMARY

A cena inicial do filme tem ao fundo um tema musical infantil e lúgubre, que marca o tema a ser desenvolvido, o qual nos parece ser uma elaboração psicótica do luto pelo bebê natimorto.

A riqueza simbólica da peça, centrada no ponto de vista de Rosemary, propicia ampla margem de interpretações e observações. O primeiro ponto que gostaríamos de destacar é a própria descrição do apartamento, feita pelo corretor, quando o apresenta ao casal protagonista. Diz ele, que o andar, antes feito para ser um único apartamento, fora subdividido em várias unidades, como também se subdivide, a célula psíquica em estruturas, com o seu desenvolvimento.

Apesar de separados, os apartamentos, assim como o Ego de Rosemary, têm as paredes porosas, permitindo a passagem de conteúdos estranhos e indesejados, tendo uma permeabilidade excessiva e perigosa. Informações posteriormente adquiridas sobre o prédio aumentam a atmosfera macabra que permeia o ambiente, correlacionadas ao pensamento mágico da protagonista, levam ao afloramento de conteúdos sombrios.



Rosemary inicialmente é uma mulher simples, frágil, feminina, influenciável e quase infantil. Jogada em um universo carregado de estímulos poderosos e estranhos começa a se sentir tomada por essas novas forças que permeiam seu ambiente. A possibilidade de ouvir os seus vizinhos através da parede de seu quarto, juntamente com a sua falta de estrutura para poder integrar tais conteúdos de maneira lógica representa uma ameaça a sua visão do mundo e integridade psíquica.




Mesmo sobre ambiente opressor e potencialmente danoso, Rosemary se estabelece com seu marido, arrumando o apartamento e desenvolvendo relações sociais com outros moradores. O seu apartamento é organizado conforme sua vontade consciente, revelando seus gostos, aspirações e controles. Apesar disso outras dependências do prédio são estranhas e indesejadas, como o apartamento de seus vizinhos, e ameaçadoras, como o subsolo. Entendemos o seu apartamento como a representação de sua instância consciente, mais especificamente o seu Ego. Os outros cômodos como sendo instâncias diferentes de inconsciente.



Rosemary estabelece algumas relações sociais quando chega ao prédio, destacando-se a que mantém com o seu marido, Guy, que trabalha como ator, e Hucth, um amigo mais velho e estudioso. Posteriormente ela conhece no subsolo do prédio Terry, uma mulher acolhida por seus vizinhos, um casal de idosos. Guy parece se relacionar com a estrutura da Persona, servindo no papel de permitir a relação de Rosemary e o pequeno espaço do seu apartamento, do qual a protagonista pouco sai. Hucth provavelmente se assemelha muito com aspecto do Animus de Rosemary, buscando integrar vivências mágicas e estranhas. Com Terry ela desenvolve uma boa identificação projetiva e sua morte tem função de gatilho no desenvolvimento patológico que surge a postere.



O casal Castevet, os vizinhos do apartamento de Rosemary, têm uma força atrativa e invasiva muito forte a qual a protagonista não consegue se opor, tendo sempre uma relação ambivalente com os idosos. Entendemos o casal como uma Sombra da Imago Dei de Rosemary, por serem identificados como o centro do séqüito satânico, e opondo a formação católica da protagonista. São estruturas estranhas, com desejos escusos e ameaçadoramente grandiosos diante da crescente fragilidade de uma simples dona de casa. A gravidez surge então como uma possibilidade agregadora desses conteúdos, o que não se cumpre.

Observando Rosemary neste momento, podemos perceber que se trata de uma mulher jovem, simples, sem grandes expectativas além de ser uma dona de casa e mãe. Deveras infantil e com um Ego estruturado, mas não forte o suficiente contra estímulos estranhos. Vive num apartamento carregado de histórias macabras e rodeado por pessoas mais velhas e que conversam coisas estranhas atrás da parede do seu quarto. Seu mundo de relação é exíguo. Terry é alguém com quem ela manteve contato e era a única mulher com idade próxima a sua, que vivia com o casal de vizinhos que a protagonista tanto estranhava, mas o suicídio da garota a coloca em contato direto com o casal Castevet.

Logo após a morte de Terry Roman Castevet e sua mulher, Minie Castever, a convidam para um jantar. Mesmo com seu marido não querendo ir, pois havia acabado de perder o papel na peça que iria participar, eles vão. Entendemos isso como sendo uma tentativa de aviso do Inconsciente, manifestado na falta de vontade de Guy em ir para o jantar, para não se expor a um ambiente estranho com o Ego fragilizado, por a não ter uma resposta positiva do meio externo. O apartamento dos Casavets pode ser entendido como uma representação do Inconsciente: é grande, cheio de informações novas, interessantes e sedutoras, mas também estranhas e perigosas, por trazerem conteúdos antagônicos à estrutura do Ego de Rosemary. Isso mais o próprio contato com um Complexo reprimido devido à morte de Terry deixam Rosemary numa posição desconfortável e insegura.



A partir daí os Casavets, de maneira invasiva, vão tomando cada vez mais espaço e importância indesejada dentro do mundo desta dona de casa. Roman mostra-se conhecedor de vários assuntos, culto, experiente, mas mesmo assim pouco confiável, já sua mulher Minnie é invasiva e inconveniente. O obstetra e outras pessoas ligadas ao casal são forçadamente introduzidos na vida de Rosemary e estão intimamente ligados ao culto macabro que ela percebe conspirar contra si. Entendemos isso exatamente como sendo a invasão dos conteúdos do Inconsciente devido a uma estrutura psíquica muito porosa em suas várias instâncias. Em algum momento o casal de protagonistas resolve ter o filho, que viria a ser o fator agregador de todos esses conteúdos na Psique de Rosemary. A maneira violenta de como este ato ocorre, literalmente através de um estupro, com ela em estado de semi-consciência, torna ameaçadora à agregação. Desencadeando o desenvolvimento de um medo e uma sensação de ameaça diante desses conteúdos inconsciente, identificado nas pessoas ao seu redor.



Ao entrar pela porta secreta, que fica dentro do armário do seu apartamento (estava obstruído e escondido por um móvel), para o apartamento vizinho, aparece um importante símbolo: a perda completa do contato com a estrutura Egóica. Neste ponto, há um corte do referencial externo, vigorando apenas os conteúdos delirantes, que agora são absolutos.





A reunião em entorno do berço, o destaca como ponto central do tema. A necessidade de aceitação da maternidade, tal qual lhe é proposta, mostra que, para ela, é menos sofrível ser a mãe do filho do diabo do que de um filho morto. A morte do bebê é entendida como a impossibilidade da integração consciente/incosciente. A maternidade macabra revela o domínio do Inconsciente, que não chega a ser uma vida diferenciada, mas é alguma vida.


Nós próximos posts estaremos fazendo um aprofundamento das características que particulares do diagnostico de Rosemary e um aprofundamento dos termos específicos usado nestes artigos

O Bebê de Rosemary (introdução)




O Bebê de Rosemary é um dos grandes clássicos do cinema de terror, a película foi um dos responsáveis pelo surgimento de uma nova maneira de se fazer filmes de terror no cinema, apresentando um terror mais pessoal e psicológico. A habilidade do diretor Roman Polanski e a fabulosa interpretação de Mia Farrow no papel de Rosemary (que lhe rendeu um oscar) nos brindam com um filme profundo, interessante e com muito margem para a discussão.

Procuraremos então apresentar aqui uma interpretação sobre o caso particular de Rosemary. Como dito o filme apresenta vários graus de interpretação, a que realçamos aqui tem como base uma visão da psiquiatria e da psicologia analítica.

Será necessário também comentarmos constantemente sobre o filme, por isso constantemente nos referiremos a cenas e passagens chaves do mesmo, para aqueles que ainda não assistiram o filme e não desejam ter a surpresas do mesmo estragadas por estes artigos, então por favor não os leiam antes de ter visto a película


Mais dados do Filme:
Lançado em 1986, “O bebê de Rosemary” é baseado no romance de Ira Levin, publicado em 1967. Dirigido por Roman Polanski, o filme é considerado uma das grandes obras de terror do gênero cinematográfico americano.
O filme recebeu várias indicações, incluindo entre elas:
- Duas indicações ao Oscar: Por melhor roteiro adaptado e por melhor atriz coadjuvante (para Ruth Gordon, que ganhou por seu papel de Minnie Castevet).
- Uma indicação ao BAFTA (British Academy of Film and Television Arts Awards) para Mia Farrow, pelo seu papel como Rosemary.
- Quatro indicações ao Globo de Ouro: melhor atriz de Drama para Mia Farrow, melhor trilha sonora original, melhor roteiro e melhor atriz coadjuvante para Ruth Gordon (que novamente foi premiada).

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Revista África e africanidades



Confira nesta edição da revista:

Reflexões sobre a re-construção da identidade dos afrodescendentes, a partir do encontro entre a produção acadêmica do Geógrafo e Professor baiano Milton Santos e da educadora popular-militante baiana Laís Souza.

Também a entrevista: O poder da ancestralidade na musicalidade do cantor e compositor Tiganá Santana.Tiganá fala sobre o lançamento do seu CD Maçalê, seu encontro com a música, religiosidade e etc.
Para conferir clique no link acima.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A VIVÊNCIA RELIGIOSA NO CANDOMBLÉ ANÁLOGA À EXPERIÊNCIA DO RELIGARE SOB A ÓTICA JUNGUIANA (introdução)



A psicologia tem o objetivo de compreender o ser humano em sua completude, necessitando, portanto, relevar todos os aspectos que o perfazem. Desta maneira, toda e qualquer investigação sobre a estrutura comportamental precisa abarcar a religiosidade - um fenômeno sócio-histórico essencial para a compreensão do psiquismo.

A concepção de religiosidade será definida a partir da Teoria da Psicologia Analítica concebida por Carl Gustav Jung. Para o referido autor, o racionalismo e o materialismo podem provocar no homem um distanciamento e até mesmo a negação dos elementos transcendentes.

Diante de um contexto histórico a enfatizar em demasia a ciência e a razão, o que resultou um importante progresso científico e tecnológico, o homem ocidental passou a negligenciar determinadas manifestações da alma humana (a exemplo da religiosidade), de maneira a distanciar o ego de suas origens (Self) gerando seres humanos estranhos e alienados a si - próprios. Esta última é estudada por Jung não com o fito de comprovar a existência de seres divinos, mas como realidade psíquica, presente quer nas mais antigas tradições e civilizações, quer em face do moderno.

Desta forma foi selecionada a religião do Candomblé com o intento de que se mostre a importância e o significado da aproximação dos brasileiros desta expressão religiosa, embora muitos destes negligenciem esta ancestralidade espiritual, que se faz presente, ao menos enquanto realidade psíquica vivenciados principalmente, através dos símbolos existentes na cultura brasileira.

A VIVÊNCIA RELIGIOSA NO CANDOMBLÉ ANÁLOGA À EXPERIÊNCIA DO RELIGARE SOB A ÓTICA JUNGUIANA

Iniciando as atividades do nosso site gostaríamos de apresentar uma pesquisa realizada por Veridiana Machado - integrante do grupo - sobre o tema do religare na ótica de Carl Gustav Jung e a vivência religiosa no Candomblé.
A psicóloga junguiana Veridiana direciona a sua pesquisa ao contexto da religiosidade africana no Brasil, que se instituiu, principalmente, a partir da religião do Candomblé – e suas especificidades - de forma a estabelecer conexões com a Psicologia Analítica. Ao se identificarem similitudes entre tal segmento religioso e o religare, compreende-se, sobretudo, a importância de os brasileiros resgatarem a ancestralidade africana, que se faz presente também como uma raiz espiritual.

Apresentaremos essa pesquisa como uma série de postagens sobre o tema.

O 20 de Novembro



A inauguração do blog, sincronicamente no dia 20 de novembro, diante das muitas atividades ligadas à Consciência Negra, como a expectativa de o nosso presidente Lula assinar, na Bahia, o Estatuto da Igualdade Racial, suscita-nos também a ideia de reverenciar a morte de Zumbi dos Palmares - o dia no qual ele renasceu como herói brasileiro.

Homenagear-se-á, outrossim, uma religiosidade que morreu e renasceu na diáspora africana, através da qual todos que reconhecem sua importância, tornam-se igualmente heróis e heroínas, pois resgatam suas ancestralidades, renascem e retroalimentam sua existência. Religiosidade que é lastro para o que hoje chamamos de cultura afrobrasileira, ou seja, o Candomblé, o Tambor-de-mina, o Xangô e outras denominações.

sábado, 31 de outubro de 2009

O que é esse Blog




A partir de um grupo de estudos composto pelos psicólogos Eduardo Quintans, Rodrigo Bastos e a psicóloga Veridiana Machado sobre as obras de Jung, de pós–junguianos e temáticas bahianas relacionadas à psicologia analítica surgiu então a idéia de criar este Blog.

As leituras dos textos, dos artigos, dos livros, os debates sobre os filmes e sobre as expressões artísticas dentre outros temas, provocaram uma inquietação nos componentes do grupo de estudos e a necessidade de expor suas elucubrações à luz da psicologia analítica.

Além de compartilhar essas temáticas, o Blog pretende criar uma rede de reflexões acerca da teoria analítica e aplicação da mesma em diversos campos de atuação profissional do psicólogo, dentre outros profissionais que se orientam por meio da psicologia analítica e que atuam na Bahia. Desta forma JUNG COM DENDÊ convida a saborear Jung temperado com uma especiaria que recria o que é próprio do homem africano no território brasileiro-O DENDÊ-que fertiliza nossas religiosidades de matrizes africanas e simboliza para o mundo a cultura de um povo através de um elemento singular com a referência da henrança ancestral do povo bahiano. Quem tem dendê tem axé! Eis uma proposta de conexão entre Jung e a misteriosa e divina força vital – AXÉ - o poder da realização.